Espaço-Terra-Mar são os três meios por excelência onde melhor se sente e move. Ana Pires. Cientista-astronauta, engenheira, investigadora e política. Mulher empreendedora e desassossegada. Seja na NASA, onde fez formação ou em São Paio de Oleiros, onde foi presidente de junta de freguesia, esta mulher de pouco mais de 40 anos personifica um posicionamento empenhado e pro-ativo das mulheres na sociedade. Vamos conhecê-la.
1) Como é que uma engenheira geotécnica/investigadora faz um percurso que a leva até ao projeto PoSSUM?
A Engenharia Geotécnica é o meu background e a minha grande paixão. Esta ligação às rochas, à geomecânica e geotecnia, é algo que é intrínseco ao que faço como investigadora. Em 2017, quando integrei a equipa do Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESCTEC percebi que apesar de serem áreas distintas, se complementavam. Portanto, estava em casa e, ainda por cima, ligada aos ambientes subaquáticos, ao Mar, objeto desde sempre das minhas investigações. Não fosse eu natural de Espinho! Depois, foi também o enquadramento ideal para finalmente me candidatar ao Programa PoSSUM (Polar Suborbital Science in the Upper Mesosphere), apoiado pela NASA e que iria permitir-me ter a formação para cientista-astronauta. Foi desta forma que das rochas, das tecnologias do mar, segui para a robótica e sistemas autónomos, e consegui dar esse salto para a Exploração Espacial. Tem sido essa linha de investigação e de estratégia que tenho procurado. Sobretudo, a interação Terra-Espaço-Mar, onde existem tantas similaridades.
2) Além de ser cientista-astronauta “encartada”, também já foi presidente de junta de freguesia (em S. Paio de Oleiros). Política, Geotecnia, Geomateriais, Investigação, Espaço. O céu é o limite? Ou os seus voos não ficam por aqui? E, já agora, qual destas áreas é preponderante no seu quotidiano?
Nem o céu é limite! (risos) Os meus “voos”, os meus projetos não ficam por aqui, tenho a certeza! É como se existissem duas pessoas, a Ana Pires investigadora e, depois, a Cristina Pires, a política. Em 2013, tornei-me a primeira Presidente de Junta de Freguesia, mulher, da terra que me viu crescer, São Paio de Oleiros, Santa Maria da Feira. Foi aqui que cresci como política, como mulher, como pessoa! A política é a minha outra paixão. Mas como a vida é feita de vitórias e derrotas, ao candidatar-me ao segundo mandato, perdi. Fiquei na oposição, onde uma vez mais aprendi imenso. Agora estou de “sabática”, mas sempre atenta… Com ambição de querer fazer mais… E, por isso, penso que a Cristina Pires, um dia destes, irá “emergir” das águas profundas do mar… (risos).
Neste momento, estou a viver intensamente esta minha vida de investigadora no INESCTEC, como candidata a cientista-astronauta no International Institute for Astronautical Sciences (IIAS). Gosto muito das atividades STEAM que tenho feito junto das escolas com crianças, para promover o voo tripulado em Portugal e de mostrar, particularmente, às raparigas que não têm que ter medo destas áreas da robótica, das tecnologias e das ciências.
Desde 2019, que integro a iniciativa “Space For All Nations” para promover atividades em Portugal, como uma nação espacial emergente na área da exploração espacial. Tenho trabalhado também com os colegas dos Estados Unidos da América e Canadá, as questões de igualdade de género, de diversidade, de inclusão, envolvendo comunidades LGBTI, comunidades indígenas, etc. Tem sido esse o meu objetivo, abrir portas e janelas, aconselhar caminhos e criar desafios, para as próximas gerações de profissionais nesta área da Exploração Espacial. Mas, também quero mostrar que há lugar para as Mulheres, em áreas habitualmente “de homens”. Desde Dezembro de 2022, tornei-me numa das mentoras da iniciativa do Gabinete das Nações Unidas para Assuntos Espaciais, “Space4Women”, onde trabalho com 2 fantásticas jovens!
3) Como vê a questão da igualdade de género no acesso a profissões, como a sua, ligadas à tecnologia. O que pode uma autarquia como a Câmara Municipal de Lisboa fazer para aumentar a representatividade de mulheres e raparigas numa área de estudo e trabalho como a sua?
Comunicação, entrevistas, talks, workshops, webinars, com mulheres inspiradoras. Tudo isso é muito importante para informar, motivar. Há uma nova “estirpe” de influencers a nascer, como as maravilhosas cientistas em Portugal. Há ainda mulheres que se destacam no desporto, na ciência, na política, que chegam a lugares de direção e que podem mostrar às jovens que tudo é possível! Eu não acredito em limites, nunca acreditei. Sobretudo, para uma Mulher.
Instituições como as autarquias podem igualmente promover sinergias, networking entre a indústria, a academia e a Investigação e Desenvolvimento, com os respetivos stakeholders. Temos imenso potencial, e devemos alavancar o ecossistema da Indústria Espacial e da Economia do Mar. Trabalhar com ONGs como a “Women in Tech-Portugal”, da qual faço parte, pode ajudar também a incrementar a representatividade de mulheres e raparigas na Tecnologia e na Programação. A Câmara Municipal de Lisboa tem já uma experiência positiva neste sentido, por exemplo com a realização da Web Summit. Por fim, atividades STEAM promovidas de forma divertida, que mostrem que fazer Ciência e trabalhar nestas áreas, são algo que pode incitar à descoberta e ajudam a chegar a esses públicos.
4) A Inteligência Artificial está cada vez mais (omni)presente nas nossas vidas (ChatGPT, p.e). Isso é bom, ou não? Que ameaças ou oportunidades vê na utilização da IA em campos como o laboral, académico e até na vivência diária das nossas casas (internet das coisas)?
A Inteligência Artificial (IA) está em todo lado, em constante evolução e a aprender. Por um lado, queremos observar este “novo bebé” a crescer e a deslumbrar-nos com respostas, conceitos, explicações, mas, também nos apercebemos das suas fragilidades. Por outro, devido ao seu impacto, queremos regulamentação. Eu consigo ver o potencial, as oportunidades que a IA poderá trazer à comunidade científica. As “ameaças”, ou melhor, o “perigo” para a Academia, será a regulamentação. Mas admito: é fascinante viver nesta era das tecnologias.
5) Que mensagem ou conselho deixaria para quem (homens ou mulheres, rapazes ou raparigas) esteja a pensar em um dia trilhar também um caminho como o seu?
O meu conselho seria que procurem sempre o que mais gostam de fazer, sem medos, sem preocupações com “o que o outro” vai dizer. A paixão é que conta. Depois, viver sempre intensamente com essa paixão. Finalmente, procurar fazer a diferença, do local para o global.
Nas Ciências procuramos incessantemente uma solução para o problema que temos. Torna-se quase uma “obsessão”. É este o meu dia-a-dia, um impulso de querer fazer sempre melhor, descobrir, explorar! Façam o mesmo, procurem até encontrar o que mais vos faz feliz! Mesmo que isso implique experimentar diversas áreas, dar muitas curvas num caminho que deveria ser reto, e também fracassar. Os fracassos podem ser os nossos melhores professores! Por isso, é preciso resiliência e coragem para continuar! Procurar a excelência todos os dias!
Texto: Luísa Botinas