A visita do mês de outubro da Tour Made of Lisboa teve como tema central a Economia Circular. E a paragem foi no Impact Hub Lisbon. Ficámos a conhecer de perto como é que funciona esta comunidade de empreendedores cujos projetos procuram ter um impacto positivo na comunidade.
Integrado numa rede de hubs espalhada por várias localizações como Joanesburgo, Amesterdão, Singapura ou Londres, o Impact Hub Lisbon apresenta-se, de acordo com o seu “cartão-de-visita”, como um “ecossistema único de recursos, inspiração e oportunidades de colaboração”. E o âmbito onde se move é o do impacto sócio-ambiental: “Aceleramos a transição para uma nova economia onde as pessoas e o planeta prosperam”. Ali, dinamizam-se programas de incubação e de aceleração, “comprometidos em construir uma sociedade verde e inclusiva”. Além disso, no hub são disponibilizados espaços de coworking, internet, café e muito networking. É o ambiente propício para o trabalho colaborativo. O Impact Hub Lisbon presta ainda apoio a “instituições públicas e privadas na colocação da sustentabilidade em ação”.
Voltemos ao tema da visita – a Economia Circular.
A economia circular é um dos pilares no qual se apoia o conceito de sustentabilidade.
Ao contrário do modelo linear, que domina as economias que conhecemos, assentes num sistema de produção predadora dos recursos naturais, no fabrico de produtos cuja vida útil é curta e que concomitantemente induzem a necessidade da compra, num ciclo imparável – com óbvias consequências ao nível do acentuar do fosso entre os países “industrializados” (ricos) e os países fornecedores de matéria-prima e mão-de-obra barata (os pobres) – a economia circular preconiza um modelo de desenvolvimento que se faz através de um mais correto uso dos recursos naturais.
Promovendo ativamente “o uso eficiente e a produtividade dos recursos por ela dinamizados, através de produtos, processos e modelos de negócio assentes na desmaterialização, reutilização, reciclagem e recuperação dos materiais” a Economia Circular procura extrair valor económico e utilidade dos materiais, equipamentos e bens pelo maior tempo possível, “em ciclos energizados por fontes renováveis”.
Portugal dispõe de um Plano de Ação para a Economia Circular desde 2017, assente neste conceito e que se insere no quadro de iniciativas precedentes desenvolvidas pela União Europeia. Este instrumento tem metas definidas para a implementação de reformas e para a assunção de compromissos. Aumentar em 86 % a incorporação de resíduos na economia nacional até 2030 é um deles.
O Impact Hub está atualmente a realizar quatro programas dentro desta temática: um voltado para a aceleração de empreendedores e designers de moda circular (Small but Perfect), um para a capacitação de formadores de jovens (REACT!), um para PMES que desejam desenvolver uma solução digital no âmbito da Economia Circular (CASCADE) e, por fim, um programa de inovação aberta para soluções na cadeia de valor da alimentação, água e nutrientes (SOTECIN Factory) – que irá premiar startups com €100K para desenvolver uma solução.
“Lixo não existe”, ou pelo menos “não devia existir”. Para Luisa Rodrigues, gestora de programas em Economia Circular e moderadora da talk da Tour Made of Lisboa no Impact Hub, os produtos devem ser tanto quanto possível “reutilizados o maior número de vezes, e ter uma vida útil também com o máximo de tempo possível. E este pensamento tem de começar já na etapa de design daquele produto ou serviço”. O mote estava lançado e o espaço da Travessa das Pedras Negras esteve particularmente concorrido, com as dezenas de participantes que ouviram testemunhos como o de Marta Brazão, da Circular Economy Portugal, Inês Soares, da Novonovo e de Cristiana Costa, designer da Näz, uma empresa baseada na região da Serra da Estrela que produz roupa feita com materiais reciclados e valorizados.
Marta Brazão defendeu um papel mais ativo das autarquias no que diz respeito às questões de Economia Circular. “As câmaras deviam fazer mais do que só gestão de resíduos”, sublinhou a responsável da CEP, uma associação sem fins lucrativos, que trabalha na área da sensibilização para “uma sociedade sem desperdício”. A CEP apoia e promove startups e iniciativas portuguesas que põem em prática princípios circulares e mapeou recentemente uma rede composta por startups, PMEs e organizações da economia social, cujas atividades se focam na reutilização sustentável, reparação ou upcycling, os Pioneiros Circulares. A Novonovo é precisamente um destes cinco pioneiros. Os outros são a Nãm, a ReCloset, a Joy-Food Experiences e a Vintage for Cause.
Explicando em detalhe o trabalho da Näz, muito ligado ao upcycling de materiais têxteis, Cristiana Costa deu a resposta esclarecedora a uma das questões que invariavelmente muitos se colocam quando se discute Economia Circular: “Porque é que os artigos produzidos de acordo com o modelo de economia circular são mais caros?” Um casaco “nosso tem o preço de 200 euros, mas só a parte do trabalho de costura custa 80. O trabalho tem de ser justamente valorizado. Não somos nós que estamos errados. Quem vende barato – à custa da exploração da mão-de-obra – é que está!”, concluiu Cristiana.
O ecossistema empreendedor de Lisboa também tem bons exemplos de projetos na área da economia circular cujos frutos são visíveis. Dois deles são startups incubadas na StartUp Lisboa: A Byewaste que pretende ser uma “solução para dar segunda vida aos objectos, combinando inteligência artificial e entrega ao domicílio” e a Trash4Goods, uma plataforma que “premeia os hábitos sustentáveis dos seus utilizadores, motivando-os e consciencializando-os a tornar-se num elemento mais ativo no processo da reciclagem”. Explicam os founders deste último projeto que “por cada ato ecológico, o utilizador é recompensado com pontos que podem ser utilizados para ganhar prémios e produtos patrocinados” pelos parceiros da Trash4Goods.
Também o projeto do Hub Criativo do Beato (HCB) está ancorado na sustentabilidade. Nasceu com a ambição de ser exemplar na implementação de estratégias urbanas para a sustentabilidade e resiliência ambiental por via do seu conceito e masterplan desenhados pela Startup Lisboa.
Esta ambição foi reforçada com a criação de um laboratório-vivo, o HCB Living Lab, que tem por missão transformar o espaço num smart campus com o objetivo de, através da inovação e recurso a novas tecnologias, promover a sustentabilidade do Hub Criativo do Beato.
“A Circularidade é um dos pilares nas áreas da Sustentabilidade que queríamos que fosse assegurado em todas as fases do projeto e explorada nas diversas áreas de atuação possíveis. Foram pensadas soluções na área da dos edifícios, na reutilização de equipamentos, na instalação de um projeto inteiramente dedicado à Economia Circular, o Co-Repair, e por fim trabalhar a relação com a comunidade que aqui se vai instalar e através da promoção e sensibilização destes mesmos princípios, em particular junto da comunidade escolar na envolvente.”, refere José Mota Leal, Gestor do Projeto do HCB na Startup Lisboa.
Foi feita uma aposta na reabilitação dos edifícios onde foi promovida a reutilização da matéria-prima resultante de demolições e reutilizada em outros pontos de obra do complexo; foram dadas novas funcionalidades a objetos que não tinham destino, como por exemplo, no projeto da Praça foram recuperados, adaptados e reutilizados equipamentos industriais da antiga Fábrica de Pão e transformados em peças de mobiliário; e por último, será criado o projeto Co-Repair, da responsabilidade da DMHU – Direção Municipal de Higiene Urbana, e que tem por finalidade ser um espaço aberto ao público que permite a qualquer cidadão, com a ajuda de um tutor, reparar e dar nova vida a objetos obsoletos, desde equipamentos eletrónicos à reparação de bicicletas, móveis e vestuário, bem como a possibilidade de reutilizar e transformar objetos e matérias-primas em novos produtos.